O resultado das eleições pela ótica de quem fugiu da raia

Disclaimer – não pude votar aqui no Canadá. E se fizesse, anularia. Nenhum dos candidatos à presidente me representava. Para mim, os dois são farinhas do mesmo saco, de marcas diferentes.

Isto posto, vou tentar traduzir um pouco do que eu vi dessas eleições de 2014 estando aqui no Canadá. A primeira delas foi claríssima: intolerância. E muita. As redes sociais, principalmente o Facebook, se tornaram um verdadeiro esgoto de preconceito, autoritarismo e falta de respeito com a opinião alheia. Se você é meu amigo há 30 anos, mas vota na Dilma, imediatamente virou o demônio encarnado. Se você é praticamente da família, mas optou pelo Aécio, vai morar pra sempre no meu coração, mas deveria ser esquartejado em praça pública.

Foram raras as zonas cinza, de debate ou ponderação. Ou você era do time preto ou do branco. E digo time de propósito. Porque vimos ataques acalorados como numa discussão sobre futebol. Torcemos pelos candidatos como torcemos nos estádios. Apaixonadamente, acaloradamente, violentamente. E por conta disso, acabamos transformando os candidatos em questão em verdadeiras divindades, inatacáveis. O outro lado não tinha direito de apontar erros dos seu candidato. No fim das contas, brigamos pelo menos pior.

O objetivo desse post mal escrito não é despertar mais ódio nem discutir posições políticas. Mas tinha que começar falando de intolerância para entrar no que diz respeito à minha praia. O imigrante. Quer dizer, emigrante, do ponto de vista de quem está no Brasil. Ou covarde, dependendo do grau de intolerância. Ou aquele que fugiu da raia para muitos. Até ex-brasileiro, como alguns acusaram. Isso mesmo não estou inventando! Li em vários grupos de imigração no Facebook perguntas recheadas de fúria como por exemplo “se você mora fora do Brasil e votou na Dilma, porque foi embora então?” (Essa foi uma das mais leves) e respostas tão pitorescas quanto “Fácil. Essas pessoas querem que o Brasil se dane” ou ainda “Volta agora pra sofrer também, a culpa é sua!”.

Então vamos usar um raciocínio rápido, lógico e que não vai exigir muito do seu já desgastado cérebro. Sabe o nome que se dá ao brasileiro que mora fora do país? Adivinhe?! Brasileiro. Exatamente como você! Você já parou para pensar que a pessoa pode não ter se mudado do país apenas por discordar da política? Ou por não aguentar mais morar no Brasil? A pessoa pode ter se mudado apenas para buscar uma experiência diferente, conhecer novas culturas, ou por transferência no trabalho? Ou até mesmo para estudar? Quem sabe foi para fazer algo que você, caro mimizento de redes sociais não tem coragem de fazer, abrir os horizontes e se renovar! Reinventar uma história diferente, sair da zona de conforto.

Esse “expatriado” continua tendo sangue brasileiro, família e amigos brasileiros. História de vida no Brasil. Lembranças do seu país de origem, e por incrível que pareça, direito de voto no Brasil! E obrigações. Não sei se você sabia, mas essa República Federativa aí é uma democracia. Juro!! Não sabia? Pois é…Ela trata todo ser humano (e até alguns que tenho dúvida sobre sua humanidade) da mesma maneira. Inclusive nós, os covardes que viraram as costas para a mãe pátria. Diferente de você patriota de ocasião, que beija o escudo da camisa do Brasil na Copa, se emociona com o hino e desrespeita fila, joga lixo no chão, e não move uma palha para ajudar ninguém.  Tem imigrante que ama muito mais o Brasil do que muita gente que nasceu lá. E tem muito emigrante que passa a amar até mais seu país depois que está longe dele. Ou você deixa de amar seus parentes e amigos quando viaja para longe? Então…é isso…quem se muda continua amando seu lugar de origem. Da sua maneira. E isso deveria ser respeitado. Porque não é fácil tomar essa decisão de deixá-lo, muito pelo contrário…

O que eu concluo dessas eleições é que a Dilma não ganhou. Nem o Aécio perdeu. Todo o povo brasileiro foi derrotado. Porque expôs publicamente a sua pior face. A da intolerância. Mostramos nas redes sociais nossa incapacidade de perceber as forças das palavras e como elas podem afetar negativamente o próximo. Como assessor de imprensa por mais de 15 anos e nas aulas que dei no curso de pós-graduação, sempre discuti e preguei: antes de compartilhar qualquer coisa, releia. Reflita. Pense nos outros tipos de interpretação que esse post pode ter. Não para você se tornar um robô, sem opinião, em cima do muro, ou agradar a maioria. Mas para não se arrepender depois. Se quiser compartilhar asneira, tenha consciência de que faz por convicção e não porque seguiu a modinha, foi maria vai com as outras. Mas depois aguente as consequências. E falo isso com o conhecimento de causa tanto de quem teve verdadeiras batalhas virtuais para defender clientes sobre uma mentira que virou verdade no Facebook, quanto de quem já escreveu e ainda se controla muito para não escrever um monte de lambança (esse post é apenas mais uma). Não é caga-regrismo, é experiência própria.

Sou a favor e defensor da liberdade de expressão. E também da liberdade de ter sua expressão respeitada. Então, caro intolerante, antes de escrever ou compartilhar algo, pense no efeito das suas palavras. Elas tem força. E você deveria valorizar mais a força que elas tem e não gastá-las de qualquer maneira. Valorize seu discurso!

PS – Esse texto não foi direcionado a ninguém específico. Nem teve o intuito de detonar ninguém. Mas se você se sentiu ofendido, ótimo. É sinal que a carapuça te serviu e você mereceu esse puxão de orelhas virtual. Agora vai pro cantinho pensar por cinco minutos.

9 comentários sobre “O resultado das eleições pela ótica de quem fugiu da raia

  1. adorei a parte de não houve perdedores ou ganhadores, concordo completamente com você e juro que fui uma dessas intolerantes no calor do momento quando o quadradinho da digníssima presidente ficou verde, o ódio é muito, mas, espero com fé em Deus que isso não vai atrapalhar nossos planos ou não muito já que o dolar essa semana chegou a 2,62… não entendo de economia nem política e espero nem ver o final do mandato dessa senhora.

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    1. É Carol…não é fácil. Todo mundo erra no calor do momento. Mas vi gente querida reforçando ódio e preconceito durante um tempo. E isso é triste demais.

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  2. Parabéns! Você pontuou bravamente… Suas palavras me representaram neste momento de minha vida, cuja escolha foi viver na gringa por tempo indeterminado. Continuo amando o Brasil, mas deixei-o. Tenho ouvido cada desaforo por conta desta minha decisão, principalmente agora que o gigante acordou e tá viciado em crack. Nunca vi tanta droga nas redes sociais como agora. Chocada!

    Obrigada!
    Abraços

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    1. O gigante acordou e tá viciado em crack é uma das melhores frases que li nos últimos tempos hahnahah Valeu pelo comentário, é bem por aí mesmo. Ame-o ou deixe-o. A gente deixou, Mas continua amando. E ninguém entende 🙂

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